Sobre a verdadeira Cura

Olá, pessoal! Como vocês estão?
.
.
A minha intenção inicial ao sentar em frente ao PC, abrir o bloco de notas e começar a escrever não era exatamente falar sobre este tema em específico - mas acho de verdade que estaria mentindo para vocês se eu fingisse aqui que eu não estava com vontade... Pois eu estou. Com muita vontade. E acho que este é o momento mais do que propício para falarmos sobre o assunto. 
.
Afinal, na última segunda feira, um juiz de Brasília concedeu uma liminar onde psicólogos podem tratar gays, lésbicas e bissexuais como doentes - e, com isto, eles podem oferecer terapias de “reversão sexual” sem sofrer qualquer tipo de censura por parte do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Esse tipo de tratamento é proibido por meio de uma resolução editada pelo CFP em 1999, já que desde 1990 a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial da Saúde. 
.
Obviamente, o CFP irá recorrer desta decisão retrógrada e arbitrária, mas somente o ato desta liminar existir - em pleno ano de 2017 - é perturbador. Não só pelo o que representa a justiça interferindo diretamente sobre o trabalho de milhares de psicólogos pelo país como também por abrir precedentes perigosos em uma época tão hostil e intolerante como infelizmente nós vivemos atualmente. Dar aval para um profissional (mal intencionado) da área de tratar um paciente LGBTQ+ como um "doente" por simplesmente ser LGBTQ+ é antiético e vai de contra à anos e anos de estudos e pesquisas de especialistas da área - cujo o foco é justamente o contrário ao que esta decisão quer implementar.
.
.
Apenas o ato de sugerir uma "reversão" - como se o LGBTQ+ tivesse sido outra coisa antes - já é extremamente problemático. Afinal, falando da forma mais direta, o fato de alguém querer ser algo que não é já indica explicitamente a pura e simples pressão social que ainda existe contra quem não segue os "padrões" - o que precisa ser erradicado, dia após dia. E tudo isto já abre tantos parenteses em um contexto maior, que uma liminar como esta sequer existir é um desserviço por completo.
.

Eu poderia passar linhas e mais linhas aqui analisando como a situação é absurda e passa de todos  os limites do aceitável, mas desta vez eu não quero seguir este caminho. Na verdade, já que estamos entre amigos, eu queria sentar e explicar como esta decisão da última segunda feira me afetou ao ponto de me deixar sem palavras e em como eu sou o exemplo vivo de que um trabalho de um ótimo profissional de psicologia é um aliado - e não um inimigo, como alguns querem que se transforme.
.
Pois, espero que isto não seja uma surpresa para ninguém, a dois anos eu finalmente saí do armário e me assumi como Bissexual. 
.
Acho que se você me segue no Twitter, ou se prestou bem a atenção ao último post aqui do blog - onde eu falo justamente sobre as mudanças em mim que aconteceram nos últimos dois anos - a frase acima não vai ser novidade. E nem quero que seja. Ser parte do grupo LGBTQ+ não deveria ser nada demais - por mais que existam pessoas por aí que tratem o assunto da pior forma possível. É apenas uma característica minha, mas que acho que é extremamente relevante para ser falado no post de hoje - mais como um pingo no i do que outra coisa. A grande questão que eu queria abordar com isto é que, se não fosse pelo meu psicólogo, eu talvez estivesse vivendo uma ''meia vida" até agora. E isto é profundamente horrível.
.
Como disse no último texto aqui do blog, eu fui procurar ajuda psicológica por perceber que estava com sérios problemas - um deles, o TOC. Eu agradeço muito todos os dias por ter corrido à tempo, antes que o meu transtorno não chegasse a um quadro pior. Mas uma das grandes ironias deste diagnóstico foi que o meu medo de me assumir para as pessoas ao meu redor, o meu desejo em 'não fugir do padrão', o receio do que poderia acontecer comigo depois de me olhar no espelho e dizer para mim mesmo "sim, eu também gosto de garotos", simplesmente descambou em uma doença de verdade. Eu tinha tanto pavor de que algumas pessoas poderiam me considerar um 'doente' (entre aspas), que de fato eu acabei ficando doente (sem aspas).
.
.
Eu passei tanto tempo me negando, não me aceitando como sou em meu total, que por fim eu somatizei todos os meus anseios em forma de princípio de TOC. 
.
Descobrir isto não foi fácil. Me aceitar também não. Eu estava no auge dos meus 25 anos, e por muito tempo tinha guardado tudo que não queria confrontar em uma caixinha de chumbo no meu interior. Nem quero imaginar o que mais poderia ter desenvolvido se eu continuasse neste ciclo de negação por mais tempo. Foram consultas e mais consultas só para de fato estar preparado a enfrentar esta realidade. Pois eu sempre tive consciência do quão dura a vida de um LGBTQ+ poderia ser em determinados momentos, e se pudesse escapar disto, meu velho eu não iria pensar duas vezes. Só que não ser quem eu era estava me afetando de verdade. Eu estava doente. Meu psicológico estava em frangalhos. E, para me curar, eu precisava dar apenas um longo passo e me abraçar. Em toda minha totalidade - e não apenas uma porcentagem extremamente confortável para uma parcela preconceituosa e raivosa da sociedade.
.
Agora entendem aonde eu queria chegar com este texto? Eu espero que sim. Pois aqui estou, escrevendo e pensando, vendo pessoas serem julgadas como portadores de uma doença - quando o risco deste precedente afetar a saúde mental destas mesmas pessoas é enorme, justamente por conta deste tipo de visão cruel. Graças ao meu médico, eu vi que não estava doente pela forma como eu amava. E é por isso que venho aqui e escrevo em caixa alta: VOCÊ NÃO ESTÁ DOENTE. VOCÊ NÃO PRECISA SER CURADO PELA SUA FORMA DE AMAR.
.
Este ponto de virada foi muito importante não só para a minha vida, como também para o meu trabalho. Foi por esta razão que Contra Tempo surgiu, e que muitas outras histórias começaram a germinar na minha cabeça. Me aceitar como sou foi um passo decisivo para a minha saúde, e precisava tentar ajudar outras pessoas a ver o mesmo. Uma página por vez, e um leitor por vez. Pois nós somos assim, e não há nada de errado com isto.
.
.
Então, se você está sentado aí do outro lado, com vergonha e/ou com medo por ser quem é, saiba que não está sozinho. Não importa o seu sexo, o seu gênero, a sua cor, o lugar de onde veio... Saiba que eu quero ser seu amigo. Saiba que estou do seu lado, de mãos dadas, para o que der e vier. Não vou dizer que o mundo é um lugar mais bonito ou mais fácil depois de tomarmos consciência de quem nós somos, eu não quero enganar ninguém. Mas quando nós mesmos nos abraçamos, as coisas começam a parecer um pouco menor. A primeira barreira é derrubada, e isto é maravilhoso.
.
Se precisar de alguma ajuda profissional, busque esta ajuda. Existem ótimas pessoas dispostas a honrar o diploma e nos acolher e nos ajudar a desfazer as amarras de um mundo que às vezes pode ser tão amargo. Mas, enquanto isto, saiba que estou aqui, e que estamos juntos, e que te amo por você simplesmente ser você.
.
Estamos juntos. Acredite nisto. Amor é a cura... Não a doença. Nunca foi.
.